José Mário Martins - 06/08/2015 - 05:44
Os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística dizem-nos que os portugueses estão já a pagar do seu bolso 28% das suas despesas de saúde.
“A humanização desapareceu, o mesmo acontecendo à personalização, pois a massificação está instalada – o doente, o utente, é cada vez mais encarado como um cifrão nos lucros que pode render aos hospitais.” Vítor Veloso, em “O SNS no fio da navalha”, Jornal de Notícias de 22/7/2015.
A Resolução do Conselho de Ministros, de 15 de Janeiro, pretendendo dar continuidade à reforma dos subsistemas de assistência na doença a servidores do Estado visa, basicamente, estudar “um modelo de governação transversal” que tenda para o seu auto financiamento. Ora, este parece-me ser um bom princípio para início de discussão sobre o que queremos que seja o nosso sistema de saúde num futuro próximo.
Criada no início da década de 60 do século XX, a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE), tinha, segundo os últimos dados disponíveis no seu site em www.adse.pt reportando ao ano de 2013, 1 290 816 beneficiários titulares e familiares. O escalão etário preponderante era o dos 0-19 anos (306 030), seguido do escalão 50-59 (230 491).
Durante os mais de 50 anos que leva ao serviço dos portugueses que trabalham para o Estado, a ADSE representou uma alternativa de livre escolha ao modelo clássico do Serviço Nacional de Saúde, o qual vincula o doente a uma instituição e a um médico, situação só (ligeiramente) alterada com o aparecimento das Unidades de Saúde Familiar (USF), onde é possível escolher o médico, desde que este tenha vagas na sua lista de inscritos.
Basicamente, dois sistemas de saúde são apresentados como alternativa:
- aquele em que os gastos na Saúde são, maioritariamente, suportados pelos impostos
– modelo dos serviços nacionais de saúde britânico e português.
- aquele em que os seguros, vendidos por empresas privadas, são responsáveis pelo pagamento das despesas, cabendo ao cidadão a escolha das coberturas que deseja, mediante o que pode ou quer pagar de prémio. Aqui, a Holanda é o país europeu usado como referência.
Acontece que, se formos analisar os recentes dados de uma reportagem sobre o serviço de saúde holandês no jornal PÚBLICO de 12/7/2015, percebemos que a Holanda tem uma maior despesa “per capita” em saúde do que Portugal (9,46% do PIB em Portugal, contra 12,44% na Holanda e uma média europeia de 9,61%). E tem, por exemplo, muito mais camas hospitalares do que Portugal, embora, paradoxalmente, só tenha uma taxa de ocupação de 48,6%, manifestamente abaixo da média europeia (75,8%). Para que necessita de tantas camas hospitalares um país em que, segundo a reportagem, todos têm médico de família?
Assim, se o nosso modelo não parece satisfazer, o modelo holandês também deixa muito a desejar.
Penso, porém, que Portugal pode ser pioneiro, caso consiga colocar em prática um sistema que seja um misto de ambos, traduzido num sistema nacional de saúde assente nos seguintes pressupostos:
- a manutenção de um serviço público, financiado por impostos, num modelo de concorrência auditada entre os seus profissionais e instituições, i.é, que permita ao doente escolher a unidade de saúde e o médico a que pretende recorrer..
- um seguro nacional de saúde, de subscrição voluntária e funcionando em moldes próximos da atual ADSE. Este ofereceria aos médicos duas possibilidades de colaboração: uma, através de um regime de convenções abertas a todos os médicos que o solicitassem; outra, permitindo que os doentes fossem ressarcidos de um montante pré-estabelecido através da apresentação de um recibo emitido por uma entidade não convencionada.
- os médicos poderiam escolher trabalhar em exclusividade ou em tempo parcial em qualquer dos regimes.
- Isto permitiria criar um clima de sã concorrência entre os serviços públicos e os prestadores privados, com claro benefício para os doentes e para o Estado, sem nunca desobrigar o Estado de cumprir o seu dever constitucional para com o SNS.
A existir este regime, os cidadãos poderiam pagar os seus impostos e ter acesso ao normal sistema público de saúde – tal como existe agora, mas com a liberdade de o doente escolher a unidade e o médico com quem se quer relacionar – ou optar por pagar apenas uma taxa social solidária para garantir a saúde dos mais desprotegidos e pagar o prémio do seguro nacional de saúde. Em termos de acesso aos cuidados, estaria garantida a universalidade da cobertura e a liberdade de escolha.
Fonte: publico.pt